Moçambique 12 anos depois – o que ficou na vida e na memória

Em 2015 faz 12 anos que estive em Moçambique, na minha missão em Mecubúri, Província de Nampula, onde permaneci durante 15 meses ao serviço dos leprosos, dos alunos e da comunidade.
Que belos 15 meses!

Aprendi muito, amei muito, vivi muito, 
sofri um pouco (com as 7 crises de malária), 
dei muito, dei-me totalmente 
e recebi muito mais em sorrisos, amizade, realização pessoal, aprendizagem, fé, …
 
Breve Relatório dos 15 meses de Missão
Janeiro 2003 a Abril 2004:
• 128 doentes diagnosticados com a doença de lepra; 
• 217 doentes de lepra acompanhados, dos quais 160 ficaram curados;
• Diversas concentrações de leprosos onde pude incentivar à continuação do tratamento e ajudar a melhorar a higiene e alimentação (oferecendo bens essenciais – mantas, sal, açúcar, sabão, ...) ;
• 8 palestras nas Escolas do Distrito para falar sobre a Lepra, seu diagnóstico e tratamento, a cerca de 2.300 alunos; 
• Atendimento a vizinhos doentes de lepra, de desnutrição, de sarna, …;
• Aulas de Matemática a 3 turmas de 8ª classe;
• Explicações e apoio ao estudo às meninas do Lar da Missão e a alunos; 
• Catequese e pastoral juvenil;
Gestão da obra de construção do muro da missão...

E após 12 anos, o que ficou?
Antes de mais ficou uma saudade imensa e uma vontade muito forte de voltar.
Ficou uma amizade grande com as Irmãs com quem vivi, as Servas de Nossa Senhora de Fátima, com quem partilhei casa, mesa, alegrias, preocupações, e bons momentos de convívio e oração.
Ficou o carinho pelas meninas do Lar da Missão (que hoje serão mulheres), pelos doentes que acompanhei, pelos alunos a quem ensinei, pelos jovens e cristãos com quem me cruzei, pelos enfermeiros, auxiliares e professores que tive como colegas, pelas crianças e jovens (e até adultos) a quem falei de lepra, da sua prevenção e cura, nas palestras em todas as escolas do Distrito. Ainda lembro as crianças a cantar como lhes ensinei:
“Todas as crianças acabam de brincar, acabam de brincar, vão tomar um banho e a sua pele olhar, vão tomar um banho e a sua pele olhar.”
Ficou uma riqueza enorme no meu coração.
A nível cognitivo, ir em missão fez-
-me aprender muito.
No Curso de Leprologia aprendi, e acho que nunca esquecerei: como se diagnostica a lepra pela observação das manchas e pelo toque do algodão e da caneta; o nome dos 3 medicamentos do tratamento multidroga (rifampicina, clofazimina e dapsona) e ainda do medicamento para as reações alérgicas (prednisolona); os cuidados a ter para prevenir a lepra e para prevenir e tratar as feridas que dela podem surgir, … 
Por vezes dou por mim a olhar atenta para manchas que alguém tenha e a pensar em fazer o teste do algodão.

Em Moçambique:
- aprendi um dialeto – o Macua – que ainda hoje falo um pouco e que faço questão de lembrar para não esquecer, por exemplo na missa, no momento da consagração, respondo “Bendito seja Deus para sempre” em Macua “Muluku attottopeliwe mahiku othene”, porque assim me sinto em união com os meus irmãos macuas;
- aprendi muito sobre uma cultura diferente, mais calma e menos stressada (às vezes calma de mais – “vakani vakani”), muito alegre e despreocupada;
- aprendi uma noção diferente de pobreza e de miséria, onde nem tudo o que não se tem faz realmente falta e faltam coisas essenciais que nem se apercebem porque simplesmente desconhecem (por exemplo: há quem não tenha sapatos, mas se lhos dermos também não usaria porque gosta de andar descalço, porque é cultural andar descalço; trazer à cintura várias capulanas talvez não seja por não ter uma saia, mas sim porque uma capulana a mais dá sempre jeito para tudo e mais alguma coisa – serve para transportar crianças, fazer de saco de compras, de manta para sentar ou tapar, …) e no meio de tudo o que possa faltar há sempre um sorriso e vontade de cantar e dançar… e como cantam, tocam e dançam bem…
- aprendi a tocar batuque, embora não consiga fazer tantos ritmos e sons como eles fazem;
Aprendi e vivi muito.
A nível espiritual, intensificou a minha relação com Deus, a nossa proximidade e confiança.
Ao viver com Irmãs tive a oportunidade de viver como elas, quase como experimentar um pouco a vida das consagradas: 
- rezando a liturgia das horas todos os dias (principalmente Laudes e Vésperas);
- fazendo a adoração do Santíssimo Corpo de Jesus todas as quintas-feiras, onde me sentia à vontade para me prostrar no chão dizendo “meu Senhor e meu Deus”, e ali ficar algum tempo abandonando-
-me a Ele;
- celebrando a Eucaristia de uma forma mais pessoal (por vezes éramos apenas 4 na capela);
- fazendo a Celebração da Palavra onde todas
fazíamos eco das leituras e nos preparávamos para fazer a homilia numa das 209 comunidades cristãs do Distrito (eu própria cheguei a fazer homilias e a distribuir a comunhão numa ou outra comunidade);
- fazendo retiro todos os meses (1 dia por mês), passando por vezes longas horas sozinha no cimo da montanha com a Bíblia, um caderno e uma flauta (cheguei até a compor 2 músicas de acção de graças);
- dando catequese a jovens e crianças, dinamizando a pastoral juvenil e animando as comunidades cristãs locais.
Experimentei uma grande intimidade com Deus.

E quando voltei?
Tudo o que vivi ficou gravado em mim, na minha cabeça, no meu coração, no meu corpo, no meu entendimento e nos meus olhos (que ao recordar tudo isto ficam molhados).



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