CRIANÇA SOFRE

Com onze meses de idade a Argentina Elias pesava 3200 gramas. Inacreditável!

Esta menina nasceu em Dezembro de 2010 e apareceu pela primeira vez na Consulta de Criança de Risco, morta de fome e muito doente, em Novembro de 2011. Vinha acompanhada pela mãe, doente de lepra e ambas num estado de absoluta  caquexia. Inimaginável! A mãe, devido à sua doença, tinha sido completamente abandonada pela família e marginalizada socialmente. A senhora deslocava-se com enorme dificuldade e sacrifício devido às lesões dos pés, que sangravam com o esforço da caminhada. É uma vítima da descontinuidade dos tratamentos, pois infelizmente ainda acontece com alguma frequência haver falta de medicamentos. Os doentes deslocam-se aos locais habituais de distribuição e voltam para casa de mãos vazias. Vão uma, duas vezes e a não satisfação das suas necessidades contribui para o abandono dos tratamentos. Contactei o Responsável do Programa da Lepra e Tuberculose, aqui de Nampula e de facto, nesse ano (2012), esta situação foi bastante difícil de resolver. Mãe e criança receberam de imediato o apoio do Centro de Nutrição, o que se traduziu em reforço da alimentação para as duas, roupa, sabão e o pagamento do transporte de regresso a casa.

A Argentina tem agora 2 anos e 4 meses de vida tem 9,250 kg de peso e recebeu apoio do Centro, durante 16 meses.

O seu percurso de vida foi muito atribulado e cheio de sofrimento. Raramente lhe vi um sorriso na face. Poucas vezes veio à consulta limpa ou sem complicações de saúde. A mãe, devido às dificuldades, deixou de a poder acompanhar, até porque a filha estava a ficar demasiado pesada para a poder carregar. O pai apareceu, bastante tempo mais tarde, por insistência nossa e percebemos que tinha desistido desta família. A mulher doente de lepra, praticamente “imprestável”, e a filha, Argentina, na sua ideia iria ficar com a doença da mãe. Como esta doença ainda cria tanto estigma nesta sociedade!

Não foi fácil vencer esta situação de rejeição, a qual só foi ultrapassada após reconhecimento da melhoria do estado geral da sua filha, e do nosso incondicional apoio, mesmo quando falhava nos dias marcados de consulta.

Raramente uma criança permanece tanto tempo ligada ao Centro de Nutrição, pois a nossa missão é tratar as crianças desnutridas, e ensinar as mães a preparar refeições equilibradas com produtos da sua produção, dando alta logo que se corrija a desnutrição e se registem três avaliações consecutivas de peso ideal para a estatura. A Argentina era proveniente de um meio muito, mas muito desfavorecido, aquele que aqui é comumente designado por “pobreza absoluta”. Tínhamos uma noção muito clara de que tudo poderia voltar atrás, no caso de respeitarmos os habituais procedimentos. Não pudemos melhorar a situação da mãe (e que falta a Vanda nos fez, para apoiar localmente esta mulher tanto no tratamento das suas feridas, como com outros benefícios!).

A Argentina está uma criança saudável no que respeita ao seu estado físico, mas ficaram sequelas graves motivadas pela escassez de alimentação adequada nos primeiros meses de vida e ainda um compromisso importante no seu desenvolvimento psicomotor.

A vida de muitas crianças é extremamente difícil neste contexto. Somos uma pequena gota de água na satisfação das necessidades globais destas crianças. No entanto, se não fosse a nossa presença, sustentada pelo generoso apoio de tantos, muitas crianças nunca poderiam sobreviver, ainda que com mazelas físicas e emocionais como é o caso da Argentina e muitas outras.

Eugénia Oliveira

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