Um dia no Centro de Reabilitação Psico-Social das Mahotas - Moçambique

5:30h da manhã! Entram os primeiros raios de sol pela janela. As Irmãs já começam a sua rotina diária, mas na casa dos voluntários aproveitamos para dormir mais um pouco.

A partir das 7:30h começam a chegar as primeiras crianças ao Centro, trazidas por algum familiar ou outra pessoa encarregada.

As mulheres Moçambicanas que cooperam com o Centro têm também (ou tiveram) um filho no Centro; a estas senhoras/meninas chamamos de “mamãs”. 

Depois de “matabichar” (primeira refeição do dia), saio de casa em direção ao Centro infantil (quase sempre me vejo obrigada a semicerrar os olhos devido à intensidade do sol). 

A partir das 8:15h começam-se a servir os pequenos-almoços aos meninos que já estão e aos que vão chegando, e é dada a medicação. O refeitório cheio de “mini pessoas”, sentadas em “mini cadeiras”, à frente de “mini mesas”, a comerem como “gente grande”, é digno de ser visto! Especialmente quando se entra e ouve várias vozes doces a chamar “mamã, mamã!” (modo típico de Moçambique usado pelos mais novos para chamar os menos novos: “mamã” para mulheres, “papá” para homens). Bem, na verdade nem todos comem como “gente grande”, e por isso mesmo estamos lá nós, para ajudar e educar. Ou pelo menos fazer por isso! 

Depois de terem matabichado as crianças seguem para a casa de banho e respectivas salas para ser feita a higiene. Neste momento aproveito para ir até à Sala dos Gatinhos (que é a sala onde estão os meninos com alterações neurológicas, na maioria Paralisia Cerebral) cumprimentar cada “gatinho” e deliciar-me com os seus sorrisos. 

A partir das 9h, depois do pequeno-almoço tomado, fraldas mudadas e dentes lavados, começa-se a trabalhar na sala de Fisioterapia, tanto com os meninos do Centro como com os externos que vêm apenas fazer tratamento fisioterapêutico. A sala tem uma dimensão de 7,5 metros por 5 metros, apetrechada de material essencial à prática, com bastante luz natural e um ambiente agradável. De momento estão dois Fisioterapeutas Moçambicanos contratados pelas Irmãs, um com um contrato por um ano (pago pela congregação) a tempo inteiro, e outro duas horas por dia em quatro dias da semana (pago por um particular que está prestes a deixar de dar a sua colaboração uma vez que já atingiu o tempo combinado); estes meus dois colegas são, sem dúvida, duas grandes mais-valias para os nossos meninos e uma grande ajuda em todo o trabalho feito em prol da melhoria da qualidade de vida deles. Aqui tratamos casos de Paralisia Cerebral, Microcefalia, Pé Boto, Síndrome de Down, Paralisia de Erb, Esclerose Múltipla, Atraso de Desenvolvimento Psico-Motor como consequência de desnutrição, entre outros. E para nos ajudar na organização e gestão desta área temos a “mamã” mais experiente de todas (que, só a título de curiosidade, completou cinquenta anos há pouco tempo e fez uma festa que foi sem dúvida a melhor e mais animada festa de aniversário a que já fui!). Além destas patologias com as quais lidamos na Fisioterapia, também existem outras, essencialmente patologias do Foro Psiquiátrico e HIV/SIDA. 

A meio da manhã as crianças tomam um sumo ou iogurte; por volta das 12h começam a dar-se os almoços e de seguida fazem uma sesta. É enquanto elas dormem que nós, adultos, almoçamos. Almoço em casa com as outras voluntárias (de momento estão mais duas: a Gemma que é professora, veio de Espanha e está cá desde Outubro para ficar 10 meses, e a Alexandra, que está a fazer um estágio em Enfermagem de final de curso durante quatro meses, e que veio comigo de Portugal). Para mim é um privilégio compartilhar esta experiência com estas duas companheiras, que fazem com que seja ainda mais especial. 

Depois do almoço e de um pequeno descanso volto ao trabalho na Fisioterapia até às 15h, hora do lanche das crianças. O lanche é sempre animado! Todos os meninos, excepto os bebés, vão para o pátio ou, quando está a chover ou mais fresquinho, para um espaço coberto dentro do Centro, e sentados nas suas cadeirinhas recarregam energias para o resto do dia. Lanche tomado é hora de ir brincar e aproveitar todo o espaço e diversão (baloiços, escorregas, balancés) que o Centro oferece! 

Aos poucos, as crianças vão regressando a casa, acompanhadas pela sorte de terem encontrado um “oásis no meio do deserto”; penso que esta será uma boa maneira de definir o CRPS Mahotas, tanto pelas condições físicas que oferece, como pelo bem-estar emocional que dá a quem passa os seus dias nele. E isto graças ao admirável trabalho das Irmãs Hospitaleiras (que trabalham para oferecer o melhor aos doentes com quem trabalham, preocupando-se que eles vivam e não apenas existam, facto que constatei ao trabalhar com elas, tanto em Moçambique como em Lisboa), à colaboração de Instituições e Associações como a APARF, e também à ajuda de pessoas que dão o seu contributo. 

Da minha parte, ainda mais do que dar estou a receber, não monetariamente mas em experiências ricas, tanto a nível profissional como pessoal, e isso tenho a agradecer à APARF que me ajudou a concretizar este sonho e atingir este objetivo, uma vez que desde o início me apoiou e me tratou de forma a que eu ficasse ainda com mais vontade e confiança para levar avante esta aventura! 

Até agora já experimentei vivências boas e más, mas sem dúvida que as boas superam as más, e a meu ver estas segundas apenas servem para me tornar mais forte e empenhada em continuar esta caminhada!

Telma Sobral
(Voluntária da APARF nas Mahotas)

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