"Se Cristo bater à tua porta..." Raoul Follereau

Estava um dia abrasador em plena estação quente na savana em Moçambique. Era um domingo à tarde e encontrava-me em casa. A casa tinha já alguns anos, passando por ela muitas histórias entre as quais a guerra. Apesar de tudo encontrava-se bem conservada. Era composta de longos corredores, que separavam as salas e onde se encontravam os quartos de dimensões bastante razoáveis e os wc’s. Ao longo dos corredores podíamos encontrar várias janelas, quase sempre abertas que, não só iluminavam toda a casa, como funcionavam de ar condicionado natural. Assim, percorria sempre uma brisa fresca pela casa e tornava-se bastante agradável.

O domingo era o único dia da semana em que podia respirar fundo sem grandes correrias nem preocupações. Era, também, nessas tardes que aproveitava o silêncio da hora da sesta, para quem a fazia, para escrever os relatórios, preparar as actividades da semana seguinte, preparar as fichas dos doentes e fazer a contagem dos medicamentos. Enfim, o dia servia para os afazeres que não conseguia preparar durante o decorrer da semana. 

Embora estivesse mais calma, os relatórios eram quase sempre um quebra-cabeças que exigiam mais concentração. E lá me encontrava no quarto, ao fundo do corredor, a procurar recordar-me de todos os pormenores mais ou menos significativos para conseguir preencher todos os relatórios necessários.
Da aldeia não vinha qualquer som. As crianças e adultos gozavam de um bom descanso nas suas esteiras. Apenas os grilos insistiam em continuar com o seu canto.

De repente fui acordada da minha profunda concentração por um ruidoso e estrondoso bater à porta. O bater era de tal modo insistente que ecoava por toda a casa e por momentos senti que a minha cabeça iria explodir. Não estaria ninguém em casa? Estaria sozinha e não me apercebi por estar tão recolhida com os meus afazeres? Ainda gritei – Já vou! Já vou! – mas de nada adiantou e continuaram a bater com todas as forças que tinham. Fosse como fosse teria que ir abrir a porta antes que a deitassem abaixo ou mesmo a casa!

Percorri o corredor que naquele momento parecia infindável, coloquei a minha cara séria e má pois a situação já me provocava alguma alteração de humor, preparava-me para perguntar que modos eram aqueles de se bater à porta, qual era a grande urgência para todo aquele ruído e abri a porta bruscamente.

Para meu espanto, ao meu nível de visão não encontrei ninguém… tive que olhar para baixo, para encontrar os seus olhos brilhantes e a alegria expressa num sorriso que me fizeram quebrar imediatamente a minha expressão rígida, arrependendo-me amargamente de todos os pensamentos que me tinham ocorrido naqueles instantes. Era uma criança – Vamos brincar?

Quantas e quantas vezes somos interrompidos nos nossos afazeres, nas nossas correrias e ficamos revoltados por tal interrupção sem pensarmos que, talvez, o “outro” também precise um pouco do nosso sorriso, do nosso carinho.

Quantas portas fechamos, quantas portas não queremos abrir…

Sandra Figueiredo

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