Estamos juntas!

Não sei bem por onde começar… foram tantas as emoções ao voltar à minha terra, Angola… onde eu nasci. Foi possível a realização de um sonho antigo!

Cheguei ao Huambo dia 11 de Fevereiro à noite vinda de Luanda, após uma viagem de autocarro de 10h sem estações de serviço. Por aqueles dias não havia voos domésticos. A viagem foi dura mas pude assim ter contacto com a realidade do povo angolano. Durante o percurso vendem-se todo o tipo de artigos. As pessoas, habituadas a sobreviver, são muito práticas e hospitaleiras.

As meninas do Centro de Acolhimento Omwenho Ukola (OU), que em umbundo, a língua local, significa ‘a vida é sagrada’ receberam-me com um lindo cântico de boas vindas. As vozes delas são extraordinárias e ainda hoje soam aos meus ouvidos: Bem-vinda, bem-vinda…

Neste dia, tive ainda o privilégio de saborear um belo jantar, o primeiro a ser preparado no fogão industrial financiado pela APARF. Este passou a dar muito jeito numa casa com perto de 50 pessoas. Por outro lado, a formação em cozinha das meninas melhorada. Antes, para além de cozinharem a lenha, tinham um pequeno fogão.

O Centro OU é uma instituição social católica vocacionado para acolher meninas órfãs e desamparadas (vítimas da guerra, sida), dos 3 aos 17 anos de idade, proporcionando-lhes uma formação integral e digna desde tenra idade, como futuras mulheres, mães e esposas. Para além da formação escolar e religiosa as meninas mais velhas têm acesso a cursos técnicos de informática, arte e decoração, culinária, pastelaria, bordados, costura e música. Alguns cursos, como informática e costura, que decorrem nas instalações da instituição, estão abertos ao público e funcionam também como uma forma de financiamento. As Irmãs trabalham fora para garantirem com o seu salário a manutenção da comunidade. Os pequenos negócios como a venda de gelo, gelados, bolos e arrendamento de algumas divisões da casa são também uma fonte de receita.

A direcção desta obra, onde fui voluntária por 1 mês, está a cargo da congregação das Irmãs Missionárias do Imaculado Coração de Maria – Filhas de África. Esta congregação é relativamente recente, tendo sido fundada em 1979 pela Madre Raquel Celeste (1943-98), natural de Huíla, Angola. As religiosas desta comunidade são 6, entre as quais se encontra uma médica e uma educadora de infância. A laboração do Centro OU conta ainda com algum pessoal de apoio, cerca de 8 trabalhadores, e ainda, explicadores para as meninas que apresentam dificuldades escolares. Como referiu a directora do Centro OU, a colaboração de um psicólogo é também necessária.

As crianças estão divididas por grupos de 6, de modo que, em cada um exista uma menina mais velha, a mãe que se responsabiliza pelas mais novas do grupo. O meu trabalho nesta comunidade passou essencialmente por acompanhar principalmente as mais pequenitas, em ‘explicações’ de português, como elas próprias diziam. Sendo farmacêutica de formação, fui também incumbida de arrumar a farmácia, e ainda, dei uma ajuda na organização da biblioteca.

Na bagagem trago outras recordações: os amigos que fiz; o carinho e a disponibilidade das Irmãs e das outras pessoas do Centro; os sorrisos e os abraços das crianças; lavar a roupa e loiça à mão com sabão; ir buscar água ao poço ou à manivela; o banho de alguidar; as falhas constantes de electricidade; as histórias contadas; os desenhos e as brincadeiras das meninas; a partilha e entreajuda delas; os choros e as pequenas birras; rezar o terço; preparar as refeições e trocar receitas; cozer o pão; o passeio nocturno; os curativos das suas feridas; a alegre e ruidosa fila que faziam para receberem as vitaminas; a pequenita que chorava sempre que me via por eu ser branca; o Lobito e o BI angolano; o coro e o acolhimento na paróquia da Sé… o amor nas pequenas coisas!

As meninas sendo carentes são muito carinhosas e curiosas. Tocavam-me na pele e cabelo por ser diferente. As trancinhas não se seguravam e escorregavam. Chamaram-me de mana Marta, a branquinha. As minhas meninas, como lhes chamo, são uns amores!

Embora com dificuldades, a instituição tem vindo a melhorar significativamente as suas instalações. Actualmente, encontra-se em projecto, como me confidenciou a directora, a Irmã Ana Maria Francisco, a área da lavandaria, alpendre e recuperação da capela.

A despedida, embora mais triste, foi igualmente festejada e cantada, desta vez pela solidão na ausência da mana Marta… 
Agora tenho muitas saudades. Um dia destes espero voltar! Para sempre, como se diz por lá a quem se quer muito: Estamos Juntas!

A mana Marta.
Marta Faustino



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