A Enfermeira Vanda Barnabé esteve dois anos a tratar doentes de Lepra, em Moçambique, como Voluntária da APARF. As saudades dos doentes e daquele povo eram tantas que as suas férias de 2010 foram passadas com eles. A sua mãe, também enfermeira, acompanhou-a, dedicando, como a filha, as férias a estes irmãos.
Caros Amigos da Associação Portuguesa Amigos de Raoul Follereau (APARF),
Venho fazer uma pequena descrição de como decorreu a minha visita a Moçambique.
Estive em Moçambique, durante três semanas, entre 23 de Setembro e 17 de Outubro de 2010, mais propriamente em Nampula, cidade que me acolheu de 2007 a 2009, na minha missão de voluntariado ao serviço da APARF. Desloquei-me em visita no meu período de férias laborais do hospital em que trabalho, em Lisboa, e fui acompanhada pela mãe Angélica, que foi “descobrir” outras realidades diferentes das que tinha conhecido na sua breve passagem em 2007 quando me tinha ido visitar com a minha irmã Patrícia.
Com a mala cheia de saudades, ofertas, abraços, vontade de ajudar…, partimos para Moçambique ao encontro dos amigos, dos doentes de lepra, dos missionários e do povo Makhua da Província de Nampula.
O período de visita era curto mas tentámos geri-lo da melhor forma possível numas “férias activas”, como carinhosamente alguém as apelidou. “Férias activas” que ambas escolhemos viver em favor dos que se cruzaram connosco nesta breve passagem por estas terras. Claro que não foi possível visitar nem fazer tudo o que gostávamos de ter feito e colaborado mas tentámos dar a nossa melhor ajuda e contribuição.
Iniciámos os contactos para que na nossa breve estadia pudéssemos voltar a acompanhar o Programa Nacional de Controle de Tuberculose e Lepra (PNCTL). Conversámos informalmente com o Sr. Juma Valgy, Responsável Provincial pelo PNCTL de 5 a 8 de Outubro de 2010, acompanhando o Enfermeiro Sr. Cássimo Martinho, Responsável Distrital pelo PNCTL no Distrito de Nampula/Rapale.
Visitámos 8 locais onde se realiza atendimento aos doentes de lepra. Estivemos no Centro de Saúde de Rapale, sede do distrito de Nampula/Rapale, onde ajudámos na organização de medicamentos que transportámos para o Centro de Saúde de Namaíta.
No dia 5 de Outubro, visitámos o Posto de Saúde de Mutolo, a cerca de 50 Km da cidade de Nampula, onde não existiam doentes de lepra em tratamento. Organizados pelo voluntário da área, observámos 7 pessoas, das quais 2 foram diagnosticadas como casos novos da doença. Uma pessoa foi diagnosticada com lepra multibacilar e a outra com lepra paucibacilar. De imediato, iniciaram o seu tratamento e foram realizados alguns ensinos sobre a doença de lepra, a duração do tratamento (6 meses a 12 meses), o facto de ser gratuito, a importância de vir levantar o medicamento mensalmente, a forma de o tomar, os efeitos secundários…, e distribuímos sabão e pão, oferta da APARF. Neste local ficaram 2 doentes em tratamento de lepra, aumentando o número de doentes diagnosticados em 2010 de 10 pessoas para 12.
No dia 6 de Outubro, deslocámo-nos ao Centro de Saúde de Caramaja, a 20 Km da cidade e onde não existiam doentes de lepra em tratamento nem doentes com manchas suspeitas para observar.
No dia 7 de Outubro, visitámos o Posto de Distribuição de Terapia de Medicamentos Associada (PDTMA) de Nicolomua e o Centro de Saúde de Namucaua, a cerca de 30 Km de Nampula. Iniciámos as actividades no PDTMA de Nicolomua, onde a informação da nossa visita não chegou a tempo e não se organizaram doentes com mancha suspeitas para serem observados e assim realizado rastreio. No entanto, estavam presentes 6 doentes antigos de lepra, que foram diagnosticados, que fizeram e concluíram o seu tratamento durante os 2 anos que acompanhei o PNCTL. Quiseram desta forma vir cumprimentar-nos e saudar a nossa visita e a APARF. Conversámos um pouco, partilhámos os acontecimentos dos últimos tempos, as preocupações actuais e convivemos. Distribuímos pão, sabão e ofertas simbólicas, além de fotografias que não puderam faltar para mais tarde recordar o momento. Marcámos uma data futura para a organização de grupo de pessoas com manchas suspeitas poderem estar presentes para uma observação e rastreio. Seguimos para o Centro de Saúde de Namucaua, local onde a APARF construiu um furo de água, no período de voluntariado da Enfermeira Anabela Torres. Estive junto do furo e este encontra-se a funcionar na perfeição. Várias mamãs, crianças e jovens estavam a retirar água, enchendo galões (garrafões) e transportando-os à cabeça até às suas casas/palhotas. O enfermeiro não estava presente, só o voluntário do PNCTL e com ele 5 pessoas com manchas suspeitas de lepra que foram observadas por nós ali mesmo. Três destas pessoas não apresentavam manchas relacionadas com a doença de lepra mas com outras doenças; enquanto que 2 pessoas voltarão daqui a 3 meses para uma nova observação, visto as suas manchas apresentarem dúvidas no diagnóstico. As pessoas receberam pão e sabão, oferta da Associação.
No último dia de acompanhamento do PNCTL, dia 8 de Outubro, visitámos o PDTMA de Muthepo e o Centro de Saúde de Namaíta, que distam cerca de 50 e 30 Km da cidade, respectivamente. Observámos um total de 14 pessoas: 6 delas não apresentavam manchas suspeitas de serem doença de lepra, mas de outras doenças; 4 pessoas deverão voltar para nova observação no espaço de 6 meses; e a 4 pessoas foi pedido o exame da baciloscopia para confirmar o diagnóstico de novos casos. Ainda compareceu 1 doente que se encontra a receber medicação de lepra neste local e recebeu a sua carteira de medicamento mensal. Também distribuímos pão, sabão e pequenas ofertas aos doentes pela APARF.
Deste breve acompanhamento ao PNCTL, pude constatar que o número de doentes de lepra se encontra a diminuir no distrito em causa mas que os esforços para a erradicação da doença não podem parar, caso contrário o número de novos casos poderá subir.
Em 2009 foram diagnosticados 18 casos novos de lepra neste distrito, e neste ano de 2010 até à data de 8 de Outubro, estavam diagnosticados 12 casos novos. Para a sua diminuição, contribuiu a parceria/colaboração da APARF neste distrito com o PNCTL e com as 2 voluntárias entre 2005 e 2009, cujos frutos agora são visíveis. Não sou utópica a desejar que tenhamos sido nós enquanto Associação a contribuir na totalidade para estes factos mas ajudámos sem dúvida para que eu pudesse observar, nesta breve passagem pelo distrito, que os números caminham para a eliminação da doença, neste distrito. Não posso falar pelos outros distritos os quais não conheço como o distrito de Nampula/Rapale, mas ouvi relatos de outros missionários que trabalham na área da saúde, a referir que faltam medicamentos de lepra em distritos da Província de Nampula. Ouvi que se fala da eliminação garantida da doença, facto que ainda não é possível.
Seria bom a continuação de mais ajudas, esforços, voluntários no terreno para que a doença de lepra deixasse de causar mais sofrimento e tristeza… mas enquanto a lepra começa a diminuir, “outras lepras” aumentam como a tuberculose, a Sida, a fome… associadas às más condições de vida que o povo continua a apresentar. A cidade de Nampula cresce dia a dia e revi a cidade com mais lojas, armazéns, farmácias, barracas, bairros a crescer, mais palhotas/casas,… mas continua a ser caótico e deficiente o sistema de recolha de lixo, o inexistente saneamento básico, deficiente distribuição de água potável, as más condições das estradas, o fraco poder económico do povo, já que os preços dos bens essenciais subiram muito e o bolso do povo continua com a mesma magra “quinhenta” para o pão, óleo, peixe seco, folhas verdes e farinha para a exima.
Na tentativa de ajudar um pouco face a esta situação de pobreza, na nossa visita deslocámo-nos até casa dos doentes antigos de lepra, que eram visitados pela APARF em Namaíta, Rapale e em Murrupula. Foi com muito agrado e até um pouco de surpresa, pois a primeira visita ocorreu sem aviso prévio, como era habitual, que fomos recebidas com “elulus” de alegria, espanto e surpresa pelas 4 famílias da Namaíta: a família da Amina Pagela, a família do Silvestre Amade, a família da Muheriwa Cotopola e a família do casal Pereira Loieke e Maria Nacola. Conseguimos visitá-los por duas vezes e nessas visitas receber mais que levávamos para oferecer a essas pessoas, marcadas pela doença, com mutilações e dificuldades. As famílias do Hilário António e do Fabião Nigurupo, em Murrupula, também nos receberam de braços abertos e coração cheio de saudades das visitas que fazíamos em tempos passados. Sentimos a calorosa recepção do povo e a alegria espelhada nos olhos pela nossa estadia ali com eles. Em Rapale, a Elisa João recebeu-nos na esteira na porta da sua palhota com a família toda presente, incluindo a sua mãe. Foi uma enorme alegria sentir o seu abraço e o sorriso que emoldurou a sua cara. Em todas estas visitas a estas famílias, a APARF ofereceu óleo, sal, sabão, pão, peixe seco, farinha, bolachas, rebuçados, capulanas, feijão/grão enlatado, medicamentos para as suas feridas e outras queixas de saúde, passíveis de resolver naquele momento. Os momentos que partilhámos nas visitas a estes doentes/famílias foram especiais. Partilhámos as novidades sobre a nossa visita actual, o que fizemos durante o tempo que estivemos sem nos ver, dei a conhecer a minha mãe e todos ficaram felizes e agradecidos pelo facto de a ter trazido comigo nestas visitas. Partilhámos as novidades sobre a Associação, sobre os amigos que já os tinham visitado noutras ocasiões…, ouvimos sobre as suas preocupações, sobre as suas famílias e vida. Deixámos um “até qualquer dia” no momento de despedir que para todos foi saudoso pois gostariam, e nós também, que nos voltássemos a visitar em breve.
Vanda e Angélica Barnabé
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