Saúdo toda a família Aparfiana.
Queria dizer-vos que o meu trabalho tem vindo a crescer diariamente. São cerca de 150 crianças novas que entraram no programa de reabilitação nutricional. Ontem fui comprar 5 sacos de 25 quilos de leite em pó, 240 embalagens de Lactogen 1, 204 embalagens de lactogen 2, o que importou em 72.800 meticais, ou seja, o equivalente a 1825 euros. Espero poder alimentar as muitas crianças que dependem desta ajuda para sobreviver durante dois meses. Estes são os produtos mais dispendiosos e agora ainda falta adquirir açúcar, farinha, óleo para constituir os kits de papinha para distribuir às mamãs. Como podem imaginar as necessidades são muitas. Têm aparecido casos de desnutrição grave, muitos bebés órfãos e ainda muitas crianças gémeas. Então este grupo tem sido uma farturinha! É caso para dizer que é mesmo às mãos cheias! Na semana passada registei o primeiro caso de trigémeos. Aliás é mesmo um caso de invulgar fertilidade. De três “barrigas” a família fez sete crianças. Da primeira saíram gémeos, a segunda idem e à terceira saíram três. Esta semana apareceu mais um caso. A Jacinta, o Jacinto e o Jackson, vieram preencher no meu registo, os números 112,113 e 114 deste. Deste modo já despachei todos os biberões que ofereceram, estando a cumprir bem a sua função. Esta semana adoptámos mais um casal a Mércia e o Mércio, que vinham recomendados do chefe do bairro de Mutauanha, para que ajudássemos aquelas crianças filhas de pais muito jovens e igualmente muito “produtivos”, pois a mãe com 31 anos tem já sete filhos. Incrível não é? Na verdade, estas últimas não revelavam quaisquer sinais de desnutrição, mas é importante prevenir privações particularmente na primeira infância, pois é este o período muito importante no desenvolvimento. Foram enquadrados no Grupo dos Gémeos. A partir da próxima segunda-feira com uma frequência bimensal receberão os ingredientes necessários para introduzir alimentação com papinha.
Queria também partilhar convosco, o facto de este programa ser já conhecido fora da cidade. Estamos a apoiar muitas crianças e famílias que vêm da Namaita, Rapale, Namucaua, Natoa, Caramaja e Lourenço. A conversa é sempre a mesma. Batem à porta do gabinete e pedem para colocar a sua “preocupação” que tem habitualmente sempre a falta de alimentos em casa para os filhos. Se a situação se justificar recebem ajuda independentemente do lugar de origem ou do credo religioso.
Mas há casos muito interessantes. Na semana passada apareceu--nos uma jovem rapariga com uma criança de quatro meses, que mal entrou no gabinete desatou a soluçar convulsivamente. A criança estava muito bem nutrida e desenvolvida... Depois de se acalmar lá nos contou a sua preocupação. Então já tinha tido quatro filhos, mas apenas dois rapazes vivos. Tinha perdido uma filha, porque como ela nos dizia a partir do terceiro ou quarto mês uma das mamas deixava de produzir leite. Os rapazes conseguiam sobreviver, mesmo sendo alimentados só pelo leite de um dos seios. As raparigas não aguentavam e acabavam por falecer, e por isso temia perder esta menina de quatro meses. Preparámos um biberão para testar se a criança já estava habituada tal como a mãe afirmava. Tornou-se bem claro que a criança não sabia o que era uma tetina e vomitou o pouco que engoliu. Foi esclarecida e tranquilizada, pois no caso de se verificar baixa de peso no mês seguinte, tendo-lhe prometido que a criança não iria passar fome, pois podia contar connosco.
É evidente que estas situações radicam em crenças e costumes, numa maneira fatalista de encarar a vida, muito característica do povo Macua e este contexto social não é possível mudar de um ano para outro.
Em jeito de agradecimento envio este pequeno texto dando conta do meu trabalho no Marrere. Cumprimentos a todos e Bem hajam.
Eugénia Ferreira
(Enfermeira)
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