NELSON - O MEU MENINO GAIATO - Parte III

(Continuação...)

De manhã, ao pequeno-almoço, falava também muitas vezes do “hóspede” que dormia no seu quarto, de como tinha passado a noite, se tinha tido pesadelos ou dormido tranquilamente. Mas só fiquei a saber quem era o tão falado hóspede quando uma noite ela me pediu para o observar porque o menino tinha passado o dia especialmente abatido e suspeitava de que poderia estar doente. Ele e o irmão tinham vindo viver para a Casa do Gaiato poucos meses antes, após a morte dos pais em circunstâncias que nunca cheguei a perguntar. Tinha cinco anos, mas era tão franzino e frágil que aparentava apenas três ou quatro e embora falasse correctamente, parecia que nunca abria a boca para dizer o que quer que fosse. Era o seu protegido porque era o mais novo na casa e estava a ter especial dificuldade na adaptação. E era um menino lindo... Tão lindo que não parecia deste mundo...

Nessa noite, quando peguei nele, leve como um anjo, para o levar para a enfermaria, reparei que tinha as mãos frias porque estava a arder em febre e que tinha alguma dificuldade respiratória. Apesar disso sorria-me, olhos nos olhos, com uma doçura tão triste e tão profunda que só me apeteceu chorar. Pedi ajuda ao Vicente, um Gaiato praticamente da minha idade cuja tarefa na casa era tratar da enfermaria e que se tinha tornado o meu principal aliado a cuidar dos meninos. Nem dois minutos depois, quando o menino já estava quase a adormecer ao meu colo, o termómetro marcava 40,2 ºC. 

– Malária!, disse o Vicente imediatamente, como um reflexo pavloviano. 

Foi aí que aprendi a fazer o teste: uma picadinha no dedo (partiu-se-me o coração de ver o menino chorar...), espalhar uma gota de sangue na preparação de vidro, após o que foi fixada numa estufa a 37 ºC. Quer dizer, teria sido fixada numa estufa a 37 ºC se houvesse estufa... Como não havia estufa, a preparação foi ao forno da cozinha. Depois aplicou-se o corante e a preparação foi a secar, ao pé da ventoinha... (No meio disto tudo ainda lá estaria a gota de sangue? Não teria sido cozinhada, ainda não se teria dissolvido, as células ainda não teriam rebentado com as diferenças de temperatura?) Estava lá tudo. E o agente da malária também. Plasmodium falciparum, o tipo mais perigoso! 

(Continua...)

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