POR UM MUNDO SEM LEPRA

Olá amigos e família

Espero que estejam todos bem… por aqui vai tudo bem.

Bem, tenho andado nos meus trabalhos com os doentes e outro dia quando vinha de um local chamado Namucaua, bem longe (para quem conhece!), deparei-me com um grupo de músicos que vinha na picada, cantarolando e tocando… parámos o carro e o grupo, composto por cerca de 6 miúdos de 13 a 16 anos, também pararam. Pedi-lhes que me mostrassem a viola improvisada que tinham e estava muito bem feita: uma lata velha, cortada… uns fios a fazer de cordas… bem improvisada e ofereceram--me uns belos acordes no meio do quase nada, apenas algumas palhotas, montanhas verdejantes e algumas pessoas que ali vieram ver o que se passava com um carro de mukunya (branca) parado e música a tocar. Foi algo muito caricato e que me fez sorrir… A foto que envio ilustra esse grupo… ah todos traziam chapéu de palha igual… Ganham uma quinhenta para irem tomar um refresco (aqui não há luz!) nem que seja à temperatura normal… ou seja quente… mas que fazer!!! Esta é uma expressão que o povo usa para “paciência”!

Esta semana vi o nosso amigo Carlitos e tinha uma bolha na planta do pé com líquido. Não sei como a arranjou mas calcei luvas, forrei a cadeira que me serviu de mesa de trabalho,…e com uma lâmina de bisturi (do kit sempre presente no carro) e … saiu um espirro de pus verde… quem conhece e percebe… que imagine… Lá lhe fiz o penso, removi a pele que apenas iria atrasar a cicatrização… Uma semana depois lá o fui ver a casa, à palhota da sua irmã (ele não é casado nem tem filhos) e… lá estava ele feliz por ter o pé melhorado…fiquei muito feliz quando o vi…estava muito bem…tinha medo de o observar pois o Carlitos tem uma história de feridas complicadas que vocês já conhecem… Eu esqueci-me de lhe dar antibiótico para evitar a infecção…mas o pé estava “nice” e eu elogiei-o por isso… Mas não muito senão ele não vai continuar a cumprir as “ordens” da mukunya. Outro dia disse-

-lhe que teria de ter sempre muito cuidado com os seus pés, por causa da falta de sensibilidade que a lepra provoca. Ele já concluiu os 12 meses de tratamento da doença. Disse-lhe que a mukunya não iria sempre estar ali para o cuidar, que ele teria de se preocupar mais consigo, ter responsabilidade,… Pois temos de tornar os doentes autónomos no seu auto-cuidado com as mãos, pés e olhos, devido às consequências que a doença pode provocar. Então ele perguntou-me se eu lhe ia fugir, se me ia embora, se mais ninguém de Portugal ia continuar a ajudar os doentes. Esta pergunta é muito inocente mas revela que os doentes agradecem o trabalho que a APARF tem feito, em relação às feridas, à oferta de sapatos, meias, pomada e medicamentos para este tipo de doentes com muitas feridas… Sabem que há alguém para os ajudar quando outros podem não se interessar. A Associação dá um apoio que os doentes agradecem e que não esquecem. Chegam mesmo a passar palavra e já tenho visto pessoas que vêm ter connosco às concentrações com manchas suspeitas e que depois de lhe dizermos que não são manchas de lepra e que podem ir descansadas para as suas palhotas, elas não ficam satisfeitas nem convencidas de que as suas manchas não são as da doença. Já estão a pensar o porquê deste raciocínio? Pois se tiverem a doença irão receber uma pequena ajuda, as visitas da mukunya e alguma atenção e carinho, que os técnicos de saúde daqui nem sempre dispensam…

Finalmente já consigo identificar e saber os nomes  das 4 montanhas que rodeiam a zona da Namaíta: Nhopera (que já subi e tem na base a paroquia da Namaíta, onde viviam as Irmãs que inicialmente trabalharam com os leprosos); Peoni (fica atrás da localidade da Namaíta, junto à aldeia de Niheia); Phalalani (2 montanhas que na base se encontra a localidade da Namaíta. Parecem pegadas mas estão separadas por uma espécie de vale e apresentam uma formação rochosa que de longe parece uma imagem de Nossa Senhora. É conhecido por isso mesmo); e Nacuahu (mais junto ao Centro de Saúde, que fica de 3 a 5 km da localidade). Tenho continuado o meu trabalho na Namaíta e tenho visitado a Amina e os seus vizinhos, doentes de lepra, naquela zona. A Amina já tem casa de banho, ou seja um local externo à casa para ir “fazer as necessidades menores”.

Desta vez, a minha visita não foi somente a ela. Visitei uma doente a Maria Nacola que é casada com o Pereira Loieke que também é leproso. Conheceram-se aqui na zona na década de 70, quando foram “capturados” nas suas aldeias (1 no Mecuburi e outro em Murrupula) por terem a doença de lepra. Trouxeram-nos para a Gafaria da Namaíta, por serem leprosos e ficaram para sempre separados da sociedade e da família. Com o evoluir dos tratamentos, a lepra passou a ter cura a 100% com medicamentos mas as mutilações já estavam presentes para sempre e as famílias desaparecidas no espaço. Acabaram por construir uma palhota, casaram e conheci-os no ano passado. Já os visitei algumas vezes e são muito engraçados. Ela tem uma face leonina, característica de lepra e dedos dos pés amputados; ele tem amputações nos dedos dos pés e garras fixas nas mãos. Ela tem uma ferida na perna, uma ulcera crónica que tenho feito penso e que espantosamente melhorou. Um amigo enviou-me material especial de penso para ela mas nem o cheguei a usar pois quando o recebi e ia aplicar a ferida já tinha cicatrizado a custo de pomada com antibiótico, betadine pomada e gase gorda. Agora ficou com grandes coloides mas o aspecto estético não é muito importante aqui nesta terra… Quando os visitei, já estavam à minha espera. Cheguei atrasada mas tinha à minha espera a família toda bem vestida, uma esteira e batata doce descascada e cozida para comermos juntos. É da machamba deles, semeada pelas mãos que vos descrevi… fiquei sensibilizada e depois dos curativos feitos, lá me sentei na esteira, lavei as mãos (como é regra base cada vez que se vai comer…e aqui come-se à mão sempre!) e comi batata doce muito saborosa e oferecida com todo o carinho. Deixei-lhes um pouco de açúcar, sal, sabão, peixe seco, roupa e medicamentos para a neta que estava com cotomola e camassi (tosse e constipação)… Foi um final de manhã muito bom para mim…

Envio-vos uma foto deles…

Ok já é um pouco tarde e vou dormir (escrevo isto de noite antes de ir descansar…) …deixo-vos beijinhos e força para os vossos trabalhos…


Vanda - Voluntária da APARF em Moçambique

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