O COMBOIO EM MOÇAMBIQUE

Nestas mini férias, concretizei o projecto de viajar de comboio.

Na madrugada de terça-feira, ainda a cidade estava sob o manto da noite, quando eu e a Vanda nos dirigimos à estação Central dos Caminhos-de-ferro. Logo à entrada fomos confrontadas com um grupo de pessoas amontoadas, embrulhadas em mantas que ali tinham pernoitado. Um grupo de seguranças barrava a entrada da plataforma de acesso ao comboio, ao qual só se podia aceder munida do respectivo bilhete. Na porta de entrada da única carruagem de segunda classe um outro segurança vigiava a entrada de passageiros, tendo-nos indicado a localização da nossa cabine (sexta porta à esquerda neste corredor). Esta informação era mesmo muito útil, pois o corredor estava completamente às escuras o que motivou o pedido de um cidadão brasileiro a um outro cidadão que circulava munido de uma lanterna de mineiro –“Ói, vira para cá essa lanterna gostosa”. O pedido premente não mereceu acolhimento pois o da lanterna era estrangeiro não tendo por isso entendido o pedido. Por acaso era nosso companheiro de cabine. Era um casal de Ingleses Cooperantes no Uganda em visitas de férias com destino a Cuamba, que se dirigiam para o Niassa. Beneficiámos da luz oferecida pela lanterna, arrumámos a nossa pouca bagagem, ocupámos os nossos lugares e aguardámos a hora de partida – cinco da matina. Um ocupante clandestino denunciou a sua presença em local inusitado, por se ter descuidado ao ressonar do sono tranquilo, que fazia no compartimento destinado à bagagem, mesmo em cima da porta da cabine. O assunto foi imediatamente resolvido com o recurso aos seguranças, que lhe interromperam o sono de uma forma um pouco intempestiva, diga-se de passagem, pois foi literalmente arrancado do seu quarto improvisado. Estava dado o mote da viagem!

Este comboio viaja em dias alternados. Às terças, quintas e sábados faz o percurso de Nampula até Cuamba. O regresso acontece às quartas, sextas e domingos. A máquina descansa à segunda bem como a tripulação.

A viagem decorre sob o signo do comércio, essencialmente de produtos agrícolas das regiões que o comboio atravessa, e talvez por isso se designe esta linha de Corredor de Desenvolvimento do Norte. Nas inúmeras paragens que o comboio faz, concentram-se muitos agricultores que vêm comercializar os diversos produtos. Há mercados onde o produto mais oferecido é a mandioca, noutros pontua a cana de açúcar, mais para o interior, na região considerada o celeiro da província, aparece muito feijão, milho, arroz, cebolas, repolhos, alho, bananas, laranjas tangerinas, cenouras, pimentos etc. O colorido das gentes, e dos produtos, bem como toda a agitação que se gera à volta dos comerciantes e dos passageiros é um espectáculo  pitoresco e único. O maquinista,  em cumplicidade com viajantes e vendedores, dá tempo para que se efectuem as transacções. Os atrasados, vêem-se na contingência de correr e subir ao comboio com este em andamento, para receber o pagamento ou o troco, pois alguns passageiros aproveitam esta circunstância desigual de os que vendem estarem apeados. Concluída a operação descem com a composição em andamento, executando a descida com a corrida no mesmo sentido como se impõe. Este treino vem certamente desde a meninice, pois a perícia com que as crianças correm  ao lado do comboio e sobem, logo que este começa a abrandar na aproximação ao apeadeiro, para depois aproveitarem uns escassos minutos de viagem, é impressionante.

Tínhamos levado um pequeno lanche para as longas sete horas de viagem que separam Nampula de Malema (cerca de 250 km.). “Quem vai para o mar avia-se em terra”, mas de facto tornou-se desnecessário, pois não falta pão à venda, bananas, galinha cozinhada, bolos tradicionais, e até refeições cozinhadas no “salão restaurante”. Nem sequer falta um serviço de mini bar, oferecido num cesto de plástico, transportado por um moço que viu aqui a sua oportunidade de negócio.
A maior parte dos passageiros abastece-se de produtos frescos nestes mercados, e por isso as carruagens vêm atulhadas de mantimentos, incluindo galinhas e galos vivinhos da costa, que de vez em quando protestam, tentando libertar-se das amarras ou cantando vigorosamente. Uma festa!!!.
Diria que o comboio distribui equitativamente o tempo de viagem. Metade do tempo parado para dar oportunidade aos negócios e outro tanto tempo em viagem lenta e aos sacolões, como se a máquina sofresse de tosse. Nada de mais, pois chegou dentro da hora prevista.

O maior perigo esperava-nos no regresso à cidade, na saída da estação. Vários seguranças munidos de “chambouco “ (cassetete) distribuam pancadaria a torto e direito por um grupo de pessoas. Ficámos estarrecidas!!!. Percebemos um pouco mais tarde que todos os malfeitores da cidade se concentram nas imediações da estação. Eu fui totalmente engolida pela multidão, onde os ladrões se acoitam, os meus bolsos foram completamente esvaziados, mas graças a Deus só encontraram sacos de plástico vazios. Foi uma chegada muito emotiva e assustadora da qual felizmente saímos incólumes.

Eugénia Ferreira
Enfermeira Voluntária em Moçambique

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