Vivi em África!... Respirei África!.. e tornei-me africana.

Um ano de vida, um pequeno grão de areia na minha história, para saber qual o verdadeiro sentido da vida.

Vamos falar de um ano de vida!

Noção exacta do tempo, alguém a tem?

Acho que não!

Se projectarmos um ano da nossa vida no futuro ele irá parecer uma eternidade, mas se, ao invés, olharmos para o passado esse mesmo período terá uma dimensão temporal mínima. Representando apenas e unicamente um grão na ampulheta da nossa vida.

Porquê?

Medo… penso eu. Medo do que poderá advir!

Recebi mais do que dei, disso tenho a perfeita noção. Mas também sei que sendo quem eu sou e conhecendo-me como me conheço fiz os possíveis para não desiludir quem estava comigo.

Fui para uma missão para a qual nunca pensei ter verdadeiras capacidades. Tinha consciência dos riscos. 

A APARF em conjunto com as Irmãs Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora colocaram-me um desafio, ir para São Tomé e Príncipe trabalhar com crianças. Crianças do ATL – Florinhas de São Francisco na vila de Guadalupe.

Crianças...

Sou uma mulher de histórias, a minha vida real nunca passa sem primeiro criar os possíveis cenários para os acontecimentos futuros, é desde sempre uma forma de me preparar à futura realidade, por isso sempre que a história africana acabava bem, eu pensava “sou capaz... muitos já o fizeram”; se por outro lado inventava algo assombroso a única saída que via era… voltar para casa.

Cheguei a África nos finais de Março de 2012, tinha à minha espera duas das três Irmãs com quem eu iria passar os próximos meses. A Irmã Joaquina que com o tempo se tornou amiga, confidente e justa conselheira e a Irmã Felismina responsável do ATL, com quem eu iria trabalhar directamente. Quanto à Irmã Rosa, enfermeira e madre da Congregação, iria conhecê-la ao chegar à missão. 

Cheguei em pleno período de férias da Páscoa. A escola estava, portanto, encerrada, o que me proporcionou uma adaptação mais fácil ao país, suas gentes e sobretudo ao clima.

No primeiro dia de ATL, foi pela mão da Irmã Felismina que fui apresentada às crianças e aos animadores. O primeiro impacto era importante, seria uma antevisão, um prognóstico do que poderia vir a desenrolar-se nos dias futuros.

Tudo naquela escola, desde o simples clip, passando pelo lápis, ao livro escolar eram e continuam a ser doações; bens oferecidos por todos aqueles que à distância apoiam esta escola. 

Faço aqui um parêntesis para dizer que hoje o ATL tem novas instalações que ficam ao nível das europeias. O esforço das Irmãs e a ajuda de muitos, nomeadamente da APARF, permitiu dar às crianças uma escola bonita e funcional.

O funcionamento do ATL tem uma característica, melhor, uma regra fundamental e muito interessante. A primeira meia hora de escola é passada na “Roda”. Todos reunidos, pequenos e grandes, em círculo, onde em cada dia se debate um tema, seja ele religioso, social, cultural ou humorístico. 

Não demorei a integrar-me. As crianças eram entusiastas, comunicativas, receptivas e muito educadas. Ensiná-las era revigorante, acabei por me dedicar com paixão e amor.

Não tinha errado ao definir a atitude a tomar. Iria lidar com todas aquelas crianças como se das minhas se tratasse: severa, rigorosa e exigente quando necessário; atenciosa e carinhosa em quase todos os momentos. Foi precisamente no campo afectivo que mais dificuldade tive. As crianças não estavam nem habituadas nem preparadas para receber demonstrações de afecto de uma estranha branca. Ficavam a olhar para mim; umas envergonhadas, outras atónitas e outras até colocavam alguma malícia no olhar. Não foi necessária uma eternidade para que elas também me retribuíssem os carinhos. Hoje, posso dizer que nunca na vida tive mais mimo do que durante a minha estadia em Guadalupe. Beijos, abraços, mãos dadas, mãos passadas pela cara e prendinhas eram atenções espontâneas e diárias. Gestos simples vindos da pureza de um coração de criança.

Trabalhei com eles nos campos em que sabia e podia ser útil. No português, na matemática, na história, na geografia, nas línguas, nos trabalhos manuais e na preparação cívica de futuros adultos. 

Nem tudo foi fácil. Nos momentos de desalento era a elas que me dava, eram elas que me socorriam, eram elas que me revitalizavam as forças para continuar.

Não sei o que me reserva a vida daqui para a frente, mas uma coisa eu sei e quero é nunca mais esquecer o que aprendi em África. 

A vida é uma bênção. Os nossos desânimos, desalentos, aos quais tanta importância damos, não são mais do que meros exercícios mentais. 

Agradeço esta lindíssima experiência e lição de vida que me foi oferecida. Fico grata a todos aqueles que me apoiaram, dentro e fora de fronteiras. Aos meus meninos fica o meu eterno carinho.


          Paula Raimundo 
     (Voluntária da APARF)

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