A HISTÓRIA DE UMA PAIXÃO - Parte I

Como se pode alguém enamorar por África?, perguntam-me algumas pessoas a quem este amor nunca tocou nem sequer alguma vez se sugeriu… O mais extraordinário de tudo é que eu fui uma dessas pessoas antes do meu ano de finalista, altura em que tive o privilégio de conhecer a Casa do Gaiato, na província de Maputo, onde vivi na savana os encantos de primeira vez em África...

A história começa com Moçambique a 12 ºC, numa noite sem lua e pouco iluminada, onde a única coisa que se podia sentir era o cheiro largo a espaço aberto (imaginava eu, nos meus pensamentos românticos de primeira vez, que estava a sentir o “cheiro de África” e, de facto, o que sentia era algum do cheiro de África – o cheiro de um Aeroporto africano misturado com o cheiro a diesel de avião da TAP...). O pouco que conseguia distinguir distintamente era Aeroporto Internacional de Maputo (o letreiro do aeroporto, literalmente com algumas luzes avariadas...). E desta história só posso dizer que adorei, que não estava nada à espera do que acabou por ser e que, à medida que o tempo passava, mais eu ficava rendida a tudo quanto via. Quando cheguei não fazia a menor ideia ao que ia… Corria o ano de 2003, em que a Internet em Moçambique era uma realidade recente e pouco explorada, as comunicações difíceis, as pessoas muito isoladas… A única coisa que sabia é que a minha presença seria bem vinda. Pensava eu que a Casa do Gaiato de Maputo era uma instituição de apoio a crianças órfãs ou abandonadas. Pensava que haveria de ir para ajudar a cuidar dos meninos, mudar fraldas, cantar canções, ajudar nos trabalhos de casa e pouco mais. Pensava até que a Casa do Gaiato de Maputo era em Maputo. Pensava... 

A Casa do Gaiato de Maputo era, de facto, na província de Maputo. Mas no meio da savana, onde os macacos iam brincar com as crianças no recreio da escola, onde só se chegava através de muita poeira por estrada de terra batida, não sem antes ter parado variadíssimas vezes para nos revistarem o carro, observarem atentamente os documentos ou para nos desinfectarem as rodas por causa da febre aftosa. E então, o que era a Casa do Gaiato? Nada menos do que uma espécie de Fundação Gulbenkian em Moçambique. Num raio de dezenas de quilómetros, tudo quanto era centros de saúde, escolas, berçários para crianças desnutridas, centros de apoio a idosos e postos de trabalho era deles. Doze mil pessoas a quem davam assistência. Mil e duzentos postos de trabalho. Centenas de crianças desnutridas a quem eles apoiavam. As melhores escolas eram as deles... E tudo isto criado de raiz, desde 1992 a partir de 700 hectares de terreno minado, sem apoios do Estado. 

A Casa do Gaiato parecia inacreditavelmente um resort turístico no meio da savana, disposta ao longo de um acidente de terreno de vários hectares, num complexo de pequenas casas térreas de traça portuguesa onde dormiam os meninos, divididos por idades. A casa principal, que incluía o refeitório ficava no cimo do morro e, como em qualquer casa de família, o refeitório era a sala de reuniões principal e as conversas diárias dos pais da casa, o Padre José Maria e a Irmã Quitéria, com os meninos decorriam sobretudo à hora das refeições. No extremo mais alto ficava a capela, encantadora, disposta em anfiteatro, em jeito de construção africana de inspiração moderna, com uma arquitectura genial! 

(continua...)

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