NAMAÍTA - NAMPULA

A experiência que estou a viver todos os dias no distrito de Nampula, em Moçambique, permite-me observar os doentes de lepra todos os dias em que vou para o “mato” ao seu encontro e onde trabalho junto deles, tentando minimizar as suas dificuldades face a esta doença. No entanto, observo “outras lepras” também existentes como a fome, a falta de vestuário e calçado, a falta de conhecimentos sobre higiene e alimentação, … e muitas “outras lepras”.

Tento diminuir, na medida que me é possível, essas “lepras” distribuindo géneros como sal, sapatos, roupa, medicamentos, … mas também uma palavra amiga (se possível em macua - mas o próprio gesto muitas vezes suprime as palavras!), um sorriso, um abraço, um beijo, … (a maior parte das populações das aldeias fala macua e não compreende o português)

Não observo somente estas “outras lepras” no “mato” mas também na cidade de Nampula onde vivo. Existem muitos “meninos de rua” na cidade e estão localizados em sítios já por eles definidos. Eu chamo-lhe zonas, onde cada um tenta ganhar qualquer coisa. Já me habituei a encontrar em certos locais as mesmas caras que me fixam mais facilmente que eu os fixo a eles e alguns já sabem o meu nome. O Agostinho, o Bruno, o Gabriel, … são apenas alguns destes meninos e jovens com quem me cruzo muitas vezes e a quem, por conseguinte, não posso ficar indiferente. Pedem qualquer coisa pela sua “protecção” para com o carro, que como já falei é um bem essencial nesta terra. Então lá o ficam a guardar ou oferecem a sua ajuda para carregar os sacos que posso ter nas mãos, pedindo, em qualquer dos casos, algo em troca, no fim. Quase sempre pedem dinheiro, que dizem ser para ir comprar comida, mas eu já decidi que musurukhu (dinheiro) não dou. Então ofereço-lhes comida, que já tenho no carro ou que vou comprar no momento, como pão, bolachas, fruta, … algumas vezes, também faço uma “consulta médica” no meio da rua quando me aparecem com feridas, olhos infectados, constipados, … e dou medicação que tenho sempre no kit da APARF que está no carro. 

Sei que esta atitude pode contribuir para que a sua situação perdure e se arraste sem ter fim e acabar por se tornar um hábito (e os hábitos são fáceis de ganhar mas difíceis de perder!) que alguns condenam e criticam. No entanto não consigo ficar indiferente à sua situação e principalmente quando me pedem “Dá-me uma quinhenta!”, ou seja meio metical (cambiado em euros chega a 1 cêntimo!) e eu os vejo com uma cara de fome, doença, tristeza, … não consigo dizer que não. Volto a frisar que estes hábitos que se criam são difíceis de romper mas estes pequenos não me pedem chupas como os pequenos que vivem no meu bairro e a esses eu consigo “resistir mais facilmente” pois a sua situação é diferente … Cabe-me a mim tentar perceber a sua história. Quando isto se pergunta aos pequenos, eles tentam dissimular e arranjar desculpas para a sua situação: são órfãos, os pais vieram para a cidade e não têm emprego, têm muitos irmãos e o dinheiro é pouco em casa, os pais são bêbados ou abandonaram-nos, … as razões são muitas e para as quais não tenho resposta nem solução. No entanto, a sua situação mantém-se e vai-se arrastando todos os dias. Da minha parte ganham comida que talvez seja a primeira com que enchem a barriga nesse dia ou não, ganham uma palavra amiga, ganham um sorriso, … mas eu fico feliz comigo própria e isso é que conta para mim. Tentar ver o rosto de Cristo e de Raoul Follereau no rosto do Agostinho, do Bruno, do Gabriel, … no meio de toda esta situação não é fácil mas é possível.
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Vanda Barnabé (Enfermeira)
Voluntária da APARF

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