Missão de Metoro

Deparei-me com um povo que está esquecido, com uma cultura que infelizmente ainda tem muito para evoluir e senti que o meu dia-a-dia estava a transformar vidas.

Durante semanas fui criando e organizando o meu trabalho em função das necessidades das comunidades a que me foi possível deslocar e sei que foi só o começo.

De muitas “experiências” que vivi vou dar relevância a dois casos que me marcaram mais.

O JORGE
O Jorge é um menino que deve ter os seus 5/6 anos. Quando o conheci não caminhava pois estava cheio de matacanhas (uma pulga que entra dentro da pele e vai se alimentando), desnutrido, apático e o que me lembro mais, era o olhar sem vida dele.

Assim a partir desse dia, todos os dias me dedicava duas a três horas da manhã a fazer-lhe o tratamento. Vakani vakani (devagar, devagar) fui removendo as mataquenhas (cheguei a tirar 12 por dia), um tratamento doloroso, sem anestesia, mas a cumplicidade criada entre os dois fazia com que fosse possível, passadas duas semanas e alguns dias de começar o tratamento, qual é o meu espanto quando a tomar o pequeno-almoço começo a ouvir “Mafi, Mafi”, será possível? Parece me o Jorge! e era, aquele menino que não andava, não tinha vida estava ali sobre os calcanhares a correr para os meus braços e apontar para mais mataquenhas nos pés, mãos e braços. Infelizmente ainda existe mataquenhas para remover e um tratamento lento para que seja possível o “meu” Jorge ter uma vida sem dor.

A ROSA
Num dos dias em que de tarde fazia domicílios por Metoro, chamou-me a atenção uma palhota afastada de todas as outras.

Lembrei me do livro da Dra. Patrícia em que falava do isolamento e inexplicavelmente senti que devia lá ir. Assim dirigi-me à palhota, e qual não foi a minha admiração quando cá fora estava sentada uma rapariga com doença de Hansen, a mãe e uma criança. Com o meu à vontade, que fui aprendendo a ter, e o meu macua ainda muito primitivo, sentei-me ao lado delas. Entretanto a Mãe, começou a contar que foi um feitiço que colocaram à filha; que o marido as abandonou e que agora viviam ali, pois a comunidade as tinha mandado. Fiquei revoltada com aquela atitude da comunidade, que tem um núcleo de leprosos, que se reúne várias vezes à semana, será que nenhum soube desta história? Ainda nesse dia, depois de explicar à mãe que ia conseguir tratamento para a Rosa, dirigi-me ao Hospital. Claro que lá me disseram logo que tinha de ir a Ancuabe e que só lá me poderiam dar a medicação. Dos 4 dias que tive a possibilidade de privar com aquela família consegui convencer a mãe a deixar a Rosa ir a Ancuabe; a mãe só deixou, se eu fosse a acompanhar. O que não me foi possível porque infelizmente tive de regressar a Portugal. Desejo mesmo poder voltar para cumprir e ajudar aquela família.

Por isto tudo, e por mais milhentas outras razões, sinto que o meu objectivo na Província de Cabo Delgado ainda não foi atingido! Não vejo a hora de poder voltar para lá e conseguir dar continuidade ao projecto, que sei, de certa forma fará uma diferença gigante na vida de pessoas como o Jorge e a Rosa. 
“Combater a lepra e todas as lepras” Raoul Follereau

Mafalda Festa (Voluntária da APARF)

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