Moçambique - Acção no Terreno III

O trabalho desenvolvido com as pessoas com lepra, nomeadamente na sua reabilitação física, social e económica, não me ocuparam todo o tempo de permanência em Mitande, tendo bastante tempo livre para me dedicar a outras actividades. Na qualidade de enfermeira, disponibilizei-me para apoiar o Centro de Saúde de Mitande todas as manhãs dos dias úteis. 

Quando me disponibilizei para essa colaboração, o Serviço de Saúde Materno-infantil estava ao cargo de uma única enfermeira, três auxiliares de limpeza e de algumas activistas sem formação na área, pelo que os cuidados de saúde maternos eram, na sua maioria, negligenciados, feitos de forma empírica, sem fundamentação teórica-científica. Por este motivo, fui colocada no Serviço de Saúde Materno-infantil (...). 

Ao longo dos 15 meses de trabalho no terreno, tive a oportunidade de assistir directamente 47 partos na maternidade.

O Centro de Saúde é desprovido de uma ambulância para efectuar os transportes urgentes de doentes em estado grave e parturientes com complicações nos partos, havendo a necessidade de requerer a ambulância distrital, frequentemente indisponível. Perante a dificuldade de transporte, efectuei diversas vezes ao longo do ano este transporte até Mandimba, Malawi ou Lichinga, consoante a gravidade da situação. 

Os “kits” de medicamentos que chegam ao Centro de Saúde são pobres em psicofármacos, pelo que as pessoas com epilepsia não tomam qualquer tipo de medicação para prevenir convulsões, além de que nem sempre são devidamente diagnosticadas. Quando cheguei a Mitande tive conhecimento de uma senhora que sofria de epilepsia e, por esta não estar a ser farmacologicamente controlada, teve uma queimadura grave no braço após convulsão junto ao fogo onde cozinhava. Pelos motivos apresentados, organizou-se, em colaboração com o Dr. Abraão, técnico distrital de Saúde Mental e Psiquiátrica e único profissional desta especialidade no distrito, um dia de rastreio, diagnóstico e determinação de tratamento a todos os doentes com doença mental. Neste dia acorreram ao Centro de Saúde cerca de 40 pessoas com doença mental, sobretudo pessoas com epilepsia (...) 

Ao final de 15 meses, saí de Mitande com a sensação de que muito ficou por fazer; as exigências do povo são muitas e uma pessoa só não consegue colmatar todas as necessidades apresentadas. Após ter concluído o projecto no qual criei aquilo que tive capacidade e meios, interessa haver outros voluntários que sejam enviados para o local que actuem com novas ideias. Há necessidade de aprofundar o trabalho iniciado; necessidade de que alguém criativo, interessado no bem do próximo, de forma gratuita, consiga dar a atenção, a disponibilidade e o amor incondicional a este povo tão carente, mas ao mesmo tempo tão rico. 

Termino com uma frase de Raoul Rollereau que me é muito significativa “Não existem sonhos demasiado grandes: continua a caminhar, não páres”. E importa agora seguir outros caminhos de ajuda ao próximo.

           Fátima Santos (Voluntária da APARF)

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