A HISTÓRIA DE UMA PAIXÃO - Parte V

(Continuação...)

E para além de tudo isto, cheguei a Maputo precisamente no rescaldo da Cimeira da Comunidade Africana, que se realizou nesse ano em Moçambique. A cidade de Maputo, já de seu habitual charmosa, estava absolutamente encantadora, com as avenidas principais reavivadas com árvores tropicais plantadas de fresco, criando um ambiente se possível ainda mais exótico e florescente. A Casa do Gaiato foi convidada para ser a anfitriã da visita das Primeiras Damas da Comunidade Africana, quase por definição dedicadas às causas humanitárias e de solidariedade. O relato que o Padre José Maria fez desse dia memorável ilustra bem a intensidade do ambiente que se viveu na Casa nesse dia:

Aconteceu o que nunca nos poderia passar pela ideia. Fomos convidados para acolher a visita das Primeiras Damas da Comunidade Africana! O convite veio em jeito de programa pré-estabelecido, com horário de chegada, recepção à maneira africana, com indicação do que deveria ser visitado, uma sessão de cultura moçambicana e, finalmente, o almoço. Apesar do embaraço que causava na nossa vida rotineira, aceitámos o desafio e a oportunidade de dar a conhecer a tão variadas como importantes personagens que somos verdadeiramente uma Casa de família para os que não têm família.

Logo os rapazes começaram os ensaios de danças tradicionais, com coreografia e batuques a preceito. As alunas externas fizeram grupo para a Marrabenta, e o Xigubo [dança guerreira africana] ficou a cargo de um grupo de médios.

Só mesmo na véspera soubemos que viriam ao todo vinte e três Primeiras Damas. Era importante, pois, sendo as que se pretendia honrar, teriam de ter uma mesa destacada no refeitório da Casa. Havia, no entanto, acompanhantes, como esposas de Primeiros-Ministros, Senhoras e Ministros de vários países. Mais duzentas e quarenta personalidades! Claro que não abdicámos de os nossos mais pequeninos estarem nas suas próprias mesas, que por isso mesmo são mais baixas. Até para eles próprios compreenderem que são eles os donos da Casa e sabem comer como toda a gente. ‘Nos quoque gens sumus...’ Na hora aprazada a caravana fez uma breve paragem no Centro de Apoio da Massaca, onde todos – crianças, monitoras, pessoal de saúde, líderes comunitárias com os seus grupos, associações de mães – saudaram as ilustres visitantes. À chegada à nossa Aldeia havia duas alas de mamãs de capulana e polo com o emblema da União Africana, pintado na véspera pelos nossos professores, mais o símbolo da luta contra a SIDA, uma causa especialmente acarinhada pelas Primeiras Damas. Estavam os rapazes e alunos da Escola, os mais pequeninos ostentando bandeiras de todos os países de África.

Cumprimentada a nossa Primeira--Dama, o Vasquinho, da Casa-Mãe (a casa onde vivem os mais pequeninos), fez a entrega de uma belíssima rosa de porcelana colhida no nosso jardim. Mas o menino não queria largar a flor, talvez porque a Senhora não lhe desse a mão... 

A nossa Capela, devidamente preparada, nessa hora já se encontrava cheia. Acabada a sessão todos desceram ao refeitório para a refeição, onde o Protocolo de Estado se limitou a indicar os lugares às Senhoras e todos mais consoante as afinidades de língua. Sobraram os doces, porque o discurso da nossa Primeira Dama era traduzido em mais três línguas. Não cabe aqui dizer o que então foi dito de apreço pela Casa que as soube receber. Mas era momento oportuno para dar ênfase à Associação das Primeiras Damas da União Africana, organizadas na luta contra a SIDA, a que preside a Primeira-Dama do Togo, entre todas, talvez a mais elegantemente vestida. Houve quem reparasse num grande diamante que ostentava no turbante, e que devia valer uma fortuna... Mas foi ela quem teve a iniciativa de passar um envelope por todas e recolheu a passar de três mil dólares. Fez um apelo para que se empenhassem nessa luta: ‘Porque afinal foi demonstrado aqui que a primeira coisa não é o dinheiro. São os gestos que desencadeiam outros gestos!’ Um dia memorável...


(Continua...)

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