A HISTÓRIA DE UMA PAIXÃO - Parte III

(Continuação...)

A aldeia mais próxima (Massaca) ficava a 5 km e era lá que funcionavam as principais actividades de apoio à comunidade, incluindo o Centro de Saúde. Quando cheguei, a enfermeira da Cooperação Espanhola responsável pela Saúde estava fora de Moçambique porque tinha ido para o Brasil, acompanhar a Irmã Quitéria, que estava doente. Era portanto necessário alguém para ficar no centro de saúde... Pois... Inacreditavelmente, eu, ainda sem a licenciatura, era a pessoa mais diferenciada!

Confesso que nunca tinha estudado Medicina Tropical a sério… Nem mesmo sem ser a sério. Nem mesmo por descargo de consciência antes de ir. Só levei um livro de medicina para ler porque achei que não ia ter cabeça nem oportunidade para estudar… Enganei-me! Enquanto lá estive estudei o Current Medical Diagnosis and Treatment até à inconsciência porque tive de tratar desde malária até febre de Katayama, passando por impétigo e tinha. Descobri a minha vocação! É mesmo disto que eu gosto. Seria de bom grado a Primeira-Dama do Estado de Emergência! 

Foi uma experiência aterradora ao início, mas que acabou por ser óptima, trabalhar com doentes de cuja cultura nada conhecia, inclusivamente a língua (o dialecto Changana), e com os outros profissionais, que eram pessoas com muito pouca cultura médica ou científica, mas a maior parte deles com experiência clínica e muito bom senso. Precisava permanentemente de uma intérprete, a Inês de Maria, que para além de tradutora fazia também de exegeta e mediadora cultural, adaptando as minhas perguntas à realidade local. Ainda hoje sorrio quando me lembro que perguntava a uma doente com candidíase vaginal se o corrimento era de tipo iogurte e ela, imperturbável, traduzia iogurte para coco ralado ou mandioca cozida... Ou quando comecei a compreender um pouco do dialecto, uma vez uma senhora queixou-se que a filha de sete anos tinha a “dor do mês”. 

– Com sete anos já é menstruada?! Perguntei, abismada, ainda para mais porque a menina não aparentava sequer ter sete anos, mas apenas cinco ou seis. 

– Não, não é menstruada, assegurou-me a Inês, o que ela disse é que a menina tem epilepsia, aqui as pessoas chamam-lhe tradicionalmente a “doença do mês” ou a “doença da lua”...

(Como se vê, perdi grandes oportunidades de ficar calada, mas foi divertido.)

(Continua...)

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