"Sai'ehali?"

Para combater o défice de conhecimentos que os doentes de lepra apresentam quando se lhes pergunta qualquer coisa sobre a sua doença, organizei durante o mês de Julho reuniões / palestras sobre a doença de lepra.

Como no distrito de Nampula / Rapale onde faço o meu trabalho voluntário no programa de combate à lepra, existem muitas concentrações, postos e centros de saúde, dividi-o em várias áreas e escolhi o melhor local dentro das possibilidades dos doentes para ali se deslocarem, e organizei estes eventos. 

Durante o mês de Julho realizei 5 reuniões / palestras às quais compareceram um total 75 doentes de lepra em tratamento, dos 85 que pertenciam a estas 5 zonas que defini. Julgo que foi muito positiva a adesão dos doentes a estas reuniões / palestras. Muitos deslocaram-se de sítios “bem escondidos” no meio das montanhas, picadas, cajueiros, … mas no dia que combinei previamente com cada grupo de doentes e voluntários lá apareciam com o convite que ofereci na mão.

Depois de um cumprimento em macua “sai’ehali?” (novidades), lá nos sentámos em esteiras, em troncos, em bancos, … conforme a disponibilidade do local, e iniciámos a nossa conversa informal sobre a doença de lepra. Com a ajuda dos voluntários do programa que traduziam para macua o que eu ia dizendo sobre a doença, estas reuniões / palestras decorreram sempre num ambiente agradável, com espaço para cada um questionar o que quisesse, desse a sua opinião e partilhasse a sua experiência a qualquer momento. 
Falámos sobre a doença de lepra, a sua transmissão, os primeiros sinais, as deformidades e mutilações que podem acontecer, os cuidados a ter com olhos, mãos e pés, o tratamento, as reacções de lepra, o facto do tratamento ser gratuito, o facto de ainda haver lepra no mundo, …entre outros e numerosos aspectos. Um destes relacionou-se com o facto da maioria dos doentes pensar que só as pessoas de raça negra é que sofriam de lepra. Quando expliquei que os akunya (de raça branca) também podiam ter esta doença, ficaram espantados com a “notícia”. É impressionante como chega tão pouca informação a certos locais desta Terra, pois aqui não há electricidade, logo, não há a possibilidade de ter acesso a informação que cada um de nós tem acesso cada vez que liga a televisão, o rádio, o MP3, o computador, a Internet, … enfim rimo-nos todos deste aspecto e seguimos em frente na nossa conversa. Também houve espaço para dar a conhecer a APARF e o seu trabalho aqui nestas terras africanas e não só. Alguns já tinham visto o logotipo do carro noutros carros e locais, mas sem dúvida, a maioria não conhecia o trabalho da Associação em Moçambique, mais propriamente neste distrito. 

É importante saberem, caros amigos, que no fim houve uma pequena ajuda oferecida e distribuída por vós. Sim, pois todos estiveram aqui enquanto falei da APARF. Então saibam que todos os doentes vos agradeceram muito quando abriram o seu saco verde que continha: 1 peça de roupa, 1 pedaço de sabão, 1 saquinho de sal, 1 pacote de bolachas e 1 pão. Houve sorrisos, risadas, abraços e beijos à mukunya Vanda, … sintam que foi a vós que estes sorrisos, risadas, abraços e beijos foram dados. 

Eu senti uma enorme gratificação com a realização destas reuniões / palestras. Nada é mais positivo e bonito que sentirmo-nos úteis junto dos outros e ver que, ainda que pouco façamos, podemos sempre fazer a diferença na vida dos que nos rodeiam.

Em simultâneo com as visitas às concentrações que faço com o enfermeiro supervisor distrital, tento minimizar algumas situações que vou observando. Situações de doenças variadas são as que mais me chamam a atenção, já que sou enfermeira.

Tenho observado outras doenças que por vezes se relacionam com o problema da lepra, como sendo as feridas que se podem desenvolver resultantes da falta de sensibilidade provocada por esta doença. Tenho observado pés e mãos em situações muito deplorantes e “feias”, com mau aspecto de cicatrização. É claro que não posso ficar indiferente e logo o kit de 1ºs socorros da APARF que trago no carro, entra em acção, assim como o bloco de receitas que já tenho na pasta que uso.[...]

Vanda Barnabé (Enfermeira)
Voluntária da APARF



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